Ocupar o tempo. Dar utilidade a uma infinidade de horas inúteis dadas a tantas crianças no tempo de verão. Um exercício exigente para muitas famílias. Multiplicam-se atividades, antecipam-se aprendizagens da escola, procuram-se programas pedagogicamente estimulantes. Na pior das hipóteses, permite-se que o olhar se canse no ecrã pouco arejado de um tablet.
Nenhuma destas atividades tem que ser interdita. Com equilíbrio, há lugar para tudo. A tentação aparece quando o desejo de ocupar cada segundo leva a matar o tempo, a tirar-lhe o que tem de imprevisível, espontâneo e gratuito. As crianças e os adultos precisam de aprender o tempo inútil e sem porquês, o riso e a graça das horas aparentemente perdidas.
Haverá um guia prático para não matar o tempo? Não. Não há soluções formatadas, apenas algumas sugestões.
Valorizar o contacto com a natureza: na praia, no campo, num parque. Se a visita é excecional ou acontece pela primeira vez, valorize-a e ajude a criança a relacioná-la com o seu dia a dia: os alimentos de que gosta, os desenhos animados favoritos, um videojogo. Leva-a a compreender a diferença.
A vida nos meios urbanos, o afastamento do mundo natural e a imersão no mundo tecnológico pode dificultar uma relação mais imediata com a criação e levar a um desapego da natureza. Este desapego dificulta a consciência de que somos criaturas. Ora reconhecer-se como criatura é muito importante para agradecer a vida e tudo o que Deus nos dá. Tudo o que não depende do nosso esforço. Não somos donos do mundo. Não podemos controlar ou manipular toda a realidade.
Dar liberdade, não controlar o tempo: ao mesmo tempo que se permite o contacto com a natureza, convém que nos precavamos contra a “controlite aguda”. Dar autonomia para que a criança possa explorar o lugar. Não impor brincadeiras, deixar que seja ela a marcar o ritmo, a encontrar a maneira mais divertida para interagir com o ambiente, a descobrir a frescura e a vitalidade da água. Aproveite as propostas dela e ajude-a a concretizá-las. Deixe que aconteça o mergulho ou o jogo que vão para lá da hora marcada para o almoço, o rebolar ou o salto cheio de risos. Esqueça o tempo para o oferecer gratuitamente, sem ser ao som do tiquetaque de um relógio.
A capacidade que as crianças têm para se encantarem com coisas pequenas é surpreendente. Um dia, Filipe ficou sozinho no quintal. Ao ir buscá-lo, a mãe encontrou-o de cócoras, extasiado a observar um caracol: «Como ele anda tão devagarinho; sem pressa e sem barulho; ah! está a pôr os corninhos ao sol!», parecia dizer.
Transmitir a fé implica criar disposições que ajudem a acolher Deus tal como é: gratuito. Brincar e contemplar a natureza contribuem para uma relação liberta de utilitarismo. Assim se acolhe a abundância de Deus. Uma criança marcada pelo ritmo ansioso de um tempo sem descanso terá mais dificuldade em reconhecer e saborear na oração a presença gratuita de Deus. Aprender a brincar pode ser aprender a rezar.
Domingas Brito e José Maria Brito, sj
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(in Mensageiro do Coração de Jesus – Setembro 2016)