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Ando estoirado

 

Olá, eu sou a Maria da Glória Pinto Almeida. O P. Gonçalo pediu-me que contasse uma experiência recente.

Porto, 13 de Março de 2015

Este ano tem sido especialmente difícil. O Pedro, no 1º ano da faculdade, anda todo enervado, o João, no 12º, muito ansioso, o Manel tem chegado a casa muito rabugento; diz que são só problemas na empresa, mas eu tenho medo que esteja doente. Enfim. E lá no escritório, com uma de férias e outra de licença de parto… Tem, de facto, sido muito complicado.

No meio disto tudo, um dia entrei numa igreja a pensar: “ao menos descanso um bocadinho já que não consigo rezar”. (Ultimamente não consigo rezar, a minha cabeça anda cheia de mais, sempre a cem à hora. Não tenho paz de espírito). À entrada estavam umas folhas com as leituras do dia. O evangelho dizia mais ou menos que as preocupações nos afastam de Deus. “Deves ‘tar no gozo”. disse a Deus. “Só pode”. (Foi mesm’assim). “Então eu ando aqui que não posso com uma gata pelo rabo e Tu vens-me dizer que as minhas preocupações me afastam de Ti? Estás no gozo…”. Mas deixei-me estar. Estava-se bem na igreja e deixei-me estar ali sozinha. (Sozinha mais Deus). Quando saí, vi que era mais cedo do que supunha e fui até à Foz tomar um café.

O mar estava lindo, cinzento, cheio de espuma. E, mais calma, pensei que de facto, desde que ando mais acelerada, deixei de ligar o passo-a-rezar [um site com uma proposta diária de oração para ouvir e rezar]. Também tentei o Click To Pray [plataforma digital para oração diária], mas também não deu. O papelinho tinha razão, as preocupações afastam-nos de Deus. Por outro lado, não podia ser. Eu não estava a fazer nada de mal, não tinha culpa; estava preocupada com coisas boas. Eu não tenho capacidade para ser como o Jesus que se vê nos filmes, que parece sempre estar a andar em cima de um colchão de nuvens, muito sereno, com uma voz um bocadinho monocórdica. Não, não tenho capacidade para isso. E fiquei com alguma angústia dentro de mim que não sabia resolver.

Por essa altura, a minha médica deu-me dois dias de baixa, porque achou que eu estava mesmo a rebentar, e conseguimos ir, com os miúdos, três dias para Amarante. A Confeitaria da Ponte tem uma boa esplanada sobre aquele magnífico rio e no sábado de tarde, enquanto eles ficaram no hotel a jogar bilhar, fui até lá. Não estava ninguém. (Talvez por estar muito frio). E assim fiquei a olhar o rio a passar. Dormitei, até, um bocadinho – estava super agasalhada – e depois fiquei num estado de semi-letargia e com muita coisa na cabeça. Pensei: “É desta que eu vou rezar”. Mas ainda não foi daquela vez. Pelo menos, da maneira que eu tinha pensado.

De repente, não havia mais carros na ponte ao lado da confeitaria e fez-se um grande silêncio. Eu fiquei nesse silêncio, com a cabeça ora cheia ora vazia, e progressivamente fui sentindo uma grande calma interior lá no meio de todas as minhas preocupações. Era como um parque no meio de uma cidade. Fui sentindo uma coisa que achava que era Deus mas nunca tinha sentido aquilo antes. Como sabia bem, deixei-me estar. Era uma espécie de ebulição interior, muito leve, e também uma alegria muito fraquinha. Não era pouca alegria, era muita alegria, mas eu quase não a sentia por ser muito fraquinha. Era uma coisa lá no fundo de mim mesma, parecia que estava no fundo do estômago. E ao mesmo tempo o Manel e os miúdos vinham-me à ideia e estavam dentro dessa alegria. Deixei-me ficar assim durante bastante tempo. Depois eles apareceram. Vinham comer papos d’anjo com um chazinho.

Mais tarde, pensei se aquilo teria sido rezar ou não. Contei a um padre amigo, que me disse que lhe parecia que sim. “Mas eu não falei com Deus”, disse-lhe. “Não foi preciso”, respondeu-me. “Esteve com Deus como quem está de mãos dadas com alguém, sem falar”. E eu pensei que quando estivesse muito cansada, quando não me viessem palavras à cabeça, talvez pudesse estar assim com Deus.

 

Nota: este artigo é uma peça de ficção escrita pelo P. Gonçalo Miller Guerra, sj

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