Estamos a despedir-nos de mais um ano. Nele repetimos, vezes sem conta, os mesmos gestos, as palavras usuais, os afazeres costumados, os ritmos diários, os cumprimentos comuns e as amabilidades tradicionais. Repetir o que é bom é claramente aconselhável. Mas importa pôr qualidade naquilo que repetimos. Há que dar alma ao corpo esquelético das rotinas.
Um ano novo nos bate à porta, mas que de novo poderá ter apenas os números da sequência do inevitável correr do tempo. Entrar no novo ano há de ser um dizer adeus à rotina, às repetições maquinais, ao mais do mesmo, ao arrastar o cansaço dos dias sem ânimo e esperança.
Quem não sabe o que é o peso da rotina? Os dias sucedem-se, como cópias invariavelmente iguais, cabendo-nos cumprir as mesmas tarefas, no lugar do costume, com horários idênticos, tendo ao nosso lado as mesmíssimas pessoas… E quem não se encontrou a sonhar, acordado, alguma vez, senão muitas: Como seria feliz se vivesse noutro contexto familiar, sem esta preocupação ou doença, tendo outro ofício, num lugar mais importante, noutra época histórica, sem as presentes dificuldades que encontro na minha vida, no mundo e na Igreja?! Quando chegará o comboio da felicidade que me vai transportar até ao paraíso na terra?! Em que porto se poderá tomar o barco do amor para alcançar a ilha onde o sol da felicidade não tem ocaso?!
Importa acordar destes sonhos e assentar bem os pés na realidade da vida. Só a vida real é a melhor vida possível. Para isto precisamos de fazer uma campanha de desbanalização do quotidiano, superficial e rotineiro, para que tenha o frescor da novidade que atrai e seduz. Cada dia que nos entra em casa é uma estreia mundial, que devemos aproveitar da melhor maneira. Gostaria de ser o primeiro a cumprir este triplo imperativo: Vive o dia de hoje como se fosse o teu primeiro dia! Vive o dia de hoje como se fosse o teu último dia! Vive o dia de hoje como se fosse o teu único dia!
Não há vacina contra a rotina, que nos fizesse viver livres do enfado, desgostoso e cansado, das repetições sem conta. Mas todos temos acesso gratuito aos remédios antirrotina. Basta cumprir a receita evangélica de Cristo de amar com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento e com todas as forças. A força do amor faz novas todas as coisas. A sabedoria do nosso povo assim o recorda: Quem corre por gosto não cansa. Nem é cansativo, repetitivo, rotineiro.
A frescura da novidade, que afugenta a rotina, não vem de coisas grandiosas que tenhamos que fazer ou de cargos importantes que nos caiba exercer. Vem muito simplesmente de pôr amor nos nossos pensamentos, palavras e ações. Como recorda S. Francisco de Sales: “É o amor que dá valor a todas as nossas obras. Não é pela grandeza e multiplicidade das nossas obras que agradamos a Deus (e também ao nosso próximo), mas pelo amor com que as fazemos. E aceitar um beliscão com duas migalhas de amor vale mais que sofrer o martírio com uma só migalha do mesmo amor”. Para sermos heróis e santos não é preciso fazer nada de grande e espetacular. Basta pôr amor nas palavras e gestos simples do quotidiano.
A rotina maquinal não se vence com operações de grande envergadura ou campanhas espetaculares de criatividade. Assim nos recorda o Papa Francisco, modelo de desterrar a rotina, surpreendendo-nos com atitudes de amor original: “O reino de Deus não é um espetáculo. Não chama a atenção nem se deixa levar pelo ‘barulho’ do mundo Nestas situações de santidade ‘anónima’, vivida na vida quotidiana, Deus está presente: pessoas que vivem com fé e perseverança o trabalho, seus compromissos na família, na paróquia. Não em testemunhos ruidosos que muitas vezes são como uma ‘caricatura do reino de Deus’. O Senhor nunca diz que o reino de Deus é um espetáculo. Pode ser uma festa, uma grande e bela festa a ser realizada no céu”.
Com simplicidade, em palavras e gestos do quotidiano, digamos adeus à rotina. Vivendo no amor seremos novos e criativos.
Manuel Morujão, sj