1. No dia 10 de fevereiro, assinalaram-se dez anos do referendo que abriu as portas à legalização do aborto a pedido, em Portugal. Durante estes dez anos, foram praticados cerca de 176 mil abortos a pedido da mãe. Para um país como Portugal, com uma população de 10 milhões de habitantes e uma natalidade muito abaixo do mínimo necessário para a reposição das gerações, são números impressionantes.
2. Mais impressionante, porém, é o que os números facilmente escondem: o massacre diário praticado em Portugal contra seres humanos indefesos, massacre legal e, por muitos, considerado uma coisa boa porque respeita a liberdade da mulher e, como tal, é assunto em que a sociedade não deve intervir, a não ser garantindo, à custa dos impostos de todos, a gratuidade deste «ato médico».
3. Em pouco menos de dez anos, eliminou-se, em Portugal, o equivalente à população de uma cidade de média dimensão. Se este massacre não acontecesse no silêncio dos hospitais e clínicas, se as vítimas pudessem chorar e gritar, fossem fotografadas e mostradas na televisão, ninguém toleraria, ninguém falaria de liberdade de escolha ou de direito a decidir. Chamar-se-ia a coisa pelo nome – assassínio de seres humanos indefesos. Exigir-se-ia a intervenção do Estado e a punição severa dos responsáveis, por crimes contra a humanidade.
4. Como se trata do aborto, porém, estamos culturalmente anestesiados – e as palavras anteriores parecem a muitos uma enormidade fanática. Por isso, pergunto: no aborto, ninguém morre? Ninguém é responsável? Não há seres humanos indefesos mortos por escolha de alguém? Não há um Estado que permite e financia estas mortes? Em tudo isto, para além dos 176 mil seres humanos deliberadamente mortos em dez anos, o pior são os estragos que esta violência difusa, silenciosa, fria e cínica causa no tecido social e nas vidas que por ela passam e lhe sobrevivem. Pode não ser já, pode não ser de modo evidente, mas todos pagaremos caro o facto de vivermos mergulhados na indiferença perante aqueles que são os mais descartáveis da nossa sociedade.
Elias Couto