Poderá parecer que a alegria é um estilo reservado a temperamentos bem-dispostos, próprio de pessoas com caráter bonacheirão; virtude a exercitar por aqueles a quem tudo lhes corre bem. Assim, o resto dos mortais deveriam contentar-se com não ultrapassar a fronteira da depressão, das lágrimas frequentes e do pessimismo profissional.
Não. A alegria não é um anexo de luxo para uns tantos privilegiados da sorte. Não é um enfeite com que se adornam pessoas de feitio folgazão, talvez até ingénuas. Para quem vive a fé em Cristo ressuscitado e ressuscitador, a alegria é um mandamento.
No testamento que Cristo nos deixou na Última Ceia, Ele coloca-nos no caminho da alegria, como estrada de sentido único: “Que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa”; “o vosso coração se alegrará e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria”; “pedi e recebereis e assim a vossa alegria será completa” (Jo 15, 11; 16, 22.24). Esta alegria de qualidade humano-divina é uma graça que devemos humildemente pedir para a receber em plenitude. Precisamos de nos abrir à graça de não apenas contemplarmos Cristo morto e sepultado, mas de o encontrarmos ressuscitado e cheio de vida. Então faremos a experiência dos apóstolos que “se encheram de alegria” (Jo 20, 20) ao encontrar Cristo vencedor da morte.
Não basta cultivar uma alegria qualquer: a piada banal, o gracejo sem jeito, a anedota de baixo nível, muito menos o contentamento do cinismo. É preciso que a alegria tenha qualidade amorosa, como nos recorda São Tomás de Aquino: “A alegria não é uma virtude distinta da caridade: é um seu ato ou efeito, e é por este título que é nomeada entre os frutos do Espírito Santo”.
Será sempre oportuno relembrar o mandamento da alegria que nos transmite o apóstolo Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo vos digo: alegrai-vos! Que a vossa bondade seja conhecida por todos” (Fl 4, 4-5). A bondade da alegria é para praticar sempre: em dias festivos ou de duro trabalho, quando a vida corre bem ou quando tropeçamos em problemas, em relação aos amigos e também com quem nos é antipático.
Se tudo corresse bem, se o mundo fosse um mar de paz, se não houvesse problemas e dificuldades a tentar obstruir o caminho da felicidade, julgo que poderíamos estar dispensados de cumprir o mandamento da alegria. Dado que o panorama do nosso mundo é bem diferente, precisamos de cultivar a alegria para esconjurar o pessimismo, para derrotar o desânimo e sermos construtores de um mundo melhor e de uma Igreja mais santa. Assim nos exorta o Papa Francisco no documento programa do seu pontificado A Alegria do Evangelho: “O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes.” (EG 2).
É uma alegria ter por mandamento a alegria. Mais alegria é cumpri-lo alegremente. Para isso está connosco o Deus da alegria.
Manuel Morujão, sj