Estamos em maré de Carnaval. Ninguém levará a mal que fale da alegria. Embora a alegria seja para exercitar todos os dias de todos os anos. Embora nem todos os tipos de alegria, no Carnaval ou fora dele, sejam de recomendar. Há que cultivar a alergia à alegria cínica e trocista, à alegria irónica e mordaz. Que alegrias tão tristes e deprimentes, em contramão e marcha-atrás do sentido único do sorriso amigo e da festa fraternal!
A alegria foi inventada desde sempre por Deus família de ótimo bom humor (Pai, Filho e Espírito Santo), fonte inesgotável de júbilo e festa. A sisudez, austeramente tristonha, não pode vir de Deus. É uma emanação do inferno de Lúcifer e companhia. A história, sem começo nem fim, de Deus eterno é um hino à alegria jubilosa, aconteça o que acontecer. É uma história de salvação, apesar de todos os desvarios humanos, por vezes gravíssimos, de bradar aos céus. Felizmente que Deus tem superabundante bom humor, respondendo aos nossos desacatos e malvadezas com um sorriso misericordioso, maternalmente paternal.
Criados à imagem e semelhança de Deus, todos temos o ADN divino da alegria bem humorada. Mas cada um segundo o seu jeito e estilo. Há a alegria dos extrovertidos e a dos introvertidos; a alegria dos espontâneos e a dos reflexivos; a alegria daqueles a quem tudo correu ao seu gosto e a alegria purificada pelo sofrimento. Não podemos sonhar com uma alegria cor-de-rosa, soft e fácilzinha, ensaiada para as ocasiões em que o vento sopra de feição nos mastros do barco da nossa vida. A alegria deve ser estilo arco-íris, integrando as cores mais luminosas e as mais obscuras. Não é de noite que mais precisamos da luz? Não é no abismo da angústia que mais urge plantar os amores-perfeitos da alegria?
Poderá alguém objetar: Eu sou uma pessoa séria. Não me peçam para ser folgazão. Tenham paciência, mas nunca alinharei em ser folião num cortejo de Carnaval. Há gente que leva a vida a rir, mas eu quero levar a vida a sério Importa sublinhar que a seriedade sã deve andar de mãos dadas com a alegria. O conhecido artista Almada Negreiros afirmou, por escrito e com a vida, que «a alegria é a coisa mais séria deste mundo». Alguns dizem que Cristo chorou várias vezes, mas nunca riu. É uma injusta acusação a quem foi «perfeito Deus e perfeito homem» e assim nos exortou no seu discurso de despedida: «Que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa» (João 15, 11). Viver na alegria é cumprir a vontade explícita de Cristo. A alegria é um mandamento humano e cristão, não numa opção de luxo para psicologias divertidas e hilariantes. Não é um adorno, mas uma trave-mestra de quem vive orientado por Deus Amor. «Deus é alegria» afirmou o Papa Paulo VI. Paul Claudel, poeta e dramaturgo de renome, esclarece que «o único dever neste mundo é a alegria». É o dever de ser feliz fazendo felizes os outros. São Paulo recorda aos cristãos esta obrigação: «Alegrai-vos sempre no Senhor. De novo vos digo, alegrai-vos!» (Fl 4, 4).
Não basta ser alegre. É preciso dar qualidade à alegria. Não à chalaça, à troça e à chocarrice. Há que dar graça às nossas graças para que sejam cordialmente engraçadas. Importa crescer na qualidade amorosa da alegria, até atingirmos o planalto da consolação e alcançarmos o cimo do júbilo e o cume da exultação.
Um nosso conterrâneo, de há 14 séculos atrás, S. Martinho de Dume, exortava-nos à ascética da antitristeza para chegarmos à mística do júbilo: «À tristeza, se puderes, não lhe dês entrada no coração; se não puderes, não a ostentes no rosto». Obrigado, irmão Martinho, por esta exortação de um idealismo tão realista.
O Papa Francisco tem sido um corajoso profeta da alegria. As suas duas exortações apostólicas são como o diapasão pelo qual afinar toda a nossa vida: «A alegria do Evangelho» e «A alegria do amor». Das múltiplas citações que poderia fazer na linha da alegria, cito apenas esta passagem de «A alegria do amor»: «As alegrias mais intensas da vida surgem quando se pode provocar a felicidade dos outros, numa antecipação do Céu. Vem a propósito recordar a cena feliz do filme A festa de Babette, quando a generosa cozinheira recebe um abraço agradecido e este elogio: Como deliciarás os anjos!. É doce e consoladora a alegria de fazer as delícias dos outros, vê-los usufruir delas. Este júbilo, feito de amor fraterno, não é o da vaidade de quem olha para si mesmo, mas o do amante que se compraz no bem do ser amado, que transborda para o outro e se torna fecundo nele» (n. 129).
Permitam-me propor-vos este programa de Carnaval: um desfile de horas e lugares para alegrar a todos os que encontrar. Um programa de «Tristeza zero. Alegrias mil». Vai ser também o meu programa.
A alegria ao poder? O poder da alegria! É imenso. Capaz de ressuscitar mortos de tristeza.
Manuel Morujão, sj