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Louvado sejas pela nossa irmã, a morte

Louvado sejas pela nossa irmã, a morte – aquele que escreveu esta frase, o que tem em si o coração de a pronunciar, esse está, agora, o mais longe possível de si mesmo e o mais perto possível de tudo. Já nada mais o separa do seu amor, porque o seu amor está em todo o lado, mesmo naquela que o vem quebrar.

Louvado sejas pela nossa irmã, a morte – aquele que murmura esta frase chegou ao fim do longo trabalho de viver, desta separação, colocada, em todo o lado, entre a vida e a nossa vida. Três espessuras de vidro mantêm-se entre a luz e nós, três espessuras de tempo: do lado do passado, a sombra dos parentes, projectada muito para a frente, sobre os nossos dias. Do lado do presente, a sombra dos nossos actos e esta imagem de nós que eles segregam, fóssil, inquebrável. Francisco de Assis destruiu essas duas sombras, atravessou esses dois vidros, com ímpeto suficiente para não se ferir com eles. Falta a última prova, a última opacidade, do lado do futuro próximo – o medo de morrer, medo perante o qual até mesmo os santos podem empinar-se, como o cavalo que recusa o obstáculo, mesmo no último instante.

Louvado sejas pela nossa irmã, a morte – lançando o seu amor para longe, diante de si, em direcção à sombra que o vem buscar, Francisco de Assis arreda o último obstáculo – como um lutador derrota o seu adversário, agarrando-o pelos ombros, para lhe dar uma apertadela.

Louvado sejas pela nossa irmã, a morte – aí está, está dito, está feito: já não há mais nada entre a vida e a sua vida, não há mais nada entre ele e ele, não há mais nem passado, nem presente, nem futuro, mais nada senão Deus Pequenino, repentinamente Altíssimo, de repente espalhado por toda a parte, como água.

 

Excerto retirado do livro de Christian Bobin, Francisco e o Pequenino, Editorial AO 2013

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