A oração em vésperas de ser ordenado padre

Tomo a oração como algo cada vez mais secundário. Mais do que saber se estou a rezar bem, interessa-me se estou a viver bem. E, claro, viver bem, viver em profundidade, ao ritmo do Espírito, requer oração.

Neste sentido, o tempo de oração de manhã, antes de começar o estudo, é essencial para mim: não para fazer uma análise das leituras do dia, mas simplesmente para me colocar na presença de Deus e a saborear. Sim, por vezes, parto das leituras do dia ou de um salmo da Liturgia das Horas, ficando a saborear uma palavra ou uma expressão, deixando que esta seja absorvida. Outras vezes parto de algo que foi motivo de ação de graças do exame de consciência do dia anterior. Mas, no fundo, procuro que o tempo de oração seja principalmente uma presença simples, que possa irrigar o dia que começa, porque desejo que o resto do dia seja isso mesmo: uma presença simples a Deus, caminhando à luz do seu rosto (cf. Sl 89). É por isso que a oração é secundária, está em segundo lugar, em relação à vida toda, que quero que seja uma vida no Espírito.

De facto, os momentos de maior consolação dos meus dias são quando leio, ouço ou vejo algo verdadeiramente bonito e isso como que me desperta, faz um “clique”, sinto uma pequena luz que aclara, e durante talvez dois ou três segundos acolho essa visita do Senhor, em silêncio, como se o tempo parasse. Depois retomo, agradecido, aquilo que estava a fazer.

Nos últimos anos, a liturgia tornou-se uma verdadeira fonte na minha vida. Este é um outro tipo de oração, que nem é um tempo individual com Deus, nem um simples “fazer coisas” na presença do Senhor. Ainda que seja, também, um tempo com Deus e uma ação, a liturgia, através dos gestos e das orações, molda-nos como cristãos. O ato de fé que me traz à liturgia torna-se fé em ação na celebração litúrgica. A liturgia não é só expressão da fé, mas é experiência da fé, aqui e agora. Viver a liturgia ajuda-me, por isso, a viver a vida do dia a dia: porque me disponho a ser transformado pela celebração, disponho-me também a ser transformado

pela realidade do dia a dia.

No entanto, por vezes não é fácil colher toda a riqueza da liturgia. A mim ajuda-me seguir as indicações de Santo Inácio para a oração. Em primeiro lugar, considero ao que vou: neste caso, o imenso dom que é mergulhar e tomar parte no mistério da entrega de Cristo ao Pai. Depois, disponho-me a isso: os passos para ir para a capela ou para a igreja são mais lentos, deixando o coração preparar-se para acolher o que o Senhor me quer dar. Com o sinal da cruz, procuro fazer um ato de presença a mim, a Deus, ao espaço, à assembleia – mas sobretudo a mim, para me recordar de que estou ali e de que há um imenso mistério de amor que me vai ser dado viver (talvez saibamos que Deus está presente durante a missa; mas nem sempre é evidente que nós próprios lá estamos!).

Durante a liturgia, o canto tem para mim uma especial importância: o facto de toda a assembleia cantar é, para mim, o modo mais claro de que estamos reunidos como um mesmo Corpo. Todos conhecemos a força mobilizadora de cantar juntos! Procuro também prestar especial atenção às orações que o padre endereça a Deus em nome de toda a assembleia, onde descubro uma imensa profundidade e riqueza nesses textos, que nos ajudam a dirigir a Deus todo o nosso ser. Depois de alguns anos a pedir ao Senhor a graça de “faça-se em mim” ou “vem ser tudo em mim”, descobri como a liturgia nos oferece diariamente essa experiência. É um dispor-me a receber, participar e reconhecer o que me é dado. A liturgia dá-nos corpo: o Corpo de Cristo que já somos e que queremos ser cada vez mais.

Acompanhar espiritualmente outras pessoas é algo que me dá um zelo acrescido pela minha própria vida espiritual. Agora, a perspetiva de em breve ser padre (serei ordenado a 23 de junho) tem-me dado um redobrado empenho em cuidar do maior tesouro que o Senhor me deu: saber-me desejado pelo Senhor. Espero que esse desejo ajude outros a des-cobrirem a vida de Deus que corre dentro de si mesmos, a alimentarem-se do desejo do próprio Deus de cada um dos seus filhos.

António Santos Lourenço, sj
(In Mensageiro do Coração de Jesus, junho 2024)

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