Rezar na solidão

Senhor Jesus, cá estou eu outra vez. A rezar sozinha. Estou solteira – sou solteira? Será que caminho para uma velhice isolada?

Vou fazer Exercícios Espirituais. Deram-me um quadro que representa a visita de Maria a Isabel. Ao centro, no meio do caminho, Maria e Isabel estendem as mãos, para tocar as barrigas uma da outra. Reconhecem a alegria do que está para vir.

E, de imediato, não consigo deixar de me sentir profundamente triste. Esta cena, tão parecida com tantas amigas minhas, que se acompanham mutuamente em gravidezes e esperanças. E eu, à margem. Este é um gesto que já evito fazer – tocar uma barriga para sentir a vida de um bebé. De início, tinha curiosidade. Agora só antecipo este medo que me assalta tantas vezes: se estou sozinha – será que vou ser mãe algum dia? Este projeto de família que já decidi que só quero se for a dois. E que o tempo, para um corpo de mulher, se vai esgotando.

Mais que tudo, desejo amar e ser amada, com todas as falhas que isso tem. Sei que não é perfeito – já passei por isso. Sei que amar é sentir-me, por vezes, mais sozinha (mais até que agora). Que a dificuldade de sintonizar duas vidas é um desafio que não é para todos. Não tenho ilusões, mas é fácil deixar-me tomar pelo desespero.

Porquê eu? Que pode haver de tão errado em mim, que faça o Senhor levar-me discretamente, devagarinho, a este caminho solitário? “É para o melhor”. Não me diz nem que sim, nem que não, dando tempo para aceitar esta vida solitária?

Olho para esta Isabel – grávida na sua velhice. Tão grávida que o seu vestido vermelho se estica e abre pelas costuras, deixando ver o forro castanho por baixo. Quase parece uma ferida – vejo uma ferida.

Porquê eu, que me entrego à vida? Que tento ser feliz pelos outros, que tento não me fechar em casa, entregar-me aos projetos que me dão? Faço ziguezagues pelo caminho, a ver se me engano, a mim e à minha vergonha, à minha tristeza, para não me deixar prender neste ciclo vicioso que me vai isolando do mundo: quanto mais tempo sozinha, mais triste, quanto mais triste, mais sem capacidade de me expor… e no fim, mais sozinha de novo.

Saio desta primeira oração zangada e sem espaço para falsas consolações. “Desta vez, ficas Tu, Senhor, à espera. Que não seja sempre eu”.

Olho de novo esta imagem. Regressam todas as conversas estranhas, todas as perguntas que me fazem em festas e encontros sociais. Quantas conversas estranhas deves ter tido também tu, Isabel. Ver o desconforto dos outros pela tua infertilidade, o aumentar da pena por ti, ano após ano. Tocas em Maria, celebrando juntas esta alegria partilhada da vida nova. Sabe Maria o que a espera? Com esta gravidez que levantou tantos sussurros? E, anos mais tarde, a viuvez longa (afinal, também andaste sozinha tanto tempo). Sem esquecer este filho maluco que tanto se comentava em Nazaré…

Talvez sejam mais parecidas comigo do que achava. Maria na sua viuvez, sozinha na sua missão. Isabel na espera por um filho durante tanto tempo. Que duas vidas tão pouco ortodoxas. E, ao mesmo tempo, que vidas cheias de outro amor, que nem sempre é amor romântico. Mas que é amor em todos os sentidos da palavra.

Volta esta ferida no vestido de Isabel, esta costura a rebentar de uma vida que não se pode conter. Surgem-me em catadupa as memórias de todos os meus projetos, dos grupos que o Senhor me entregou para cuidar, dos amigos que vou acompanhando. De cada “sim” que pude dar, que não poderia dar estivesse eu ocupada com uma família. Tenho amor, sim – não romântico – mas amor. E continuarei à espera que o Senhor me dê uma resposta. Mas até lá, deixo-me mover pela esperança de Maria e de Isabel que, sem terem todas as respostas às suas perguntas, avançam persistentes pela vida. Seguro-as pela mão e digo “sim” ao que o Senhor me for trazendo. E farei desta vida uma vida cheia de amor, seja ele de que tipo for. Que Maria e Isabel nunca me falhem.

Maria Xavier | in Mensageiro do Coração de Jesus

Imagem de Renan Brun por Pixabay

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