É difícil perdoar. Por vezes, porque temos razão; outras vezes, porque não conseguimos esquecer. Contudo, perdoar nem é esquecer o que aconteceu nem negar a culpa do outro. Perdoar é libertar, o outro e nós mesmos, das cadeias do mal. É afirmar que este muro que se ergueu entre nós não é o fim da relação, que eu o destruo para que haja caminho.
Naturalmente, a relação está ferida. Não podemos voltar ao lugar onde estávamos antes nem pode continuar tudo igual. E podemos até ter desejo de não conviver muito com aquela pessoa e assim a relação esfriar. Ou até abrir-se um caminho novo e aprofundarmos o amor um pelo outro. O que é claro é que através do perdão libertamo-nos do poder que a ferida tem sobre nós, deixamos de ser vítimas e passamos a estar mais disponíveis para amar.
Quantas vezes vamos azedando por dentro por causa das ofensas que não perdoamos? Quantos bloqueios relacionais, quantos conflitos interiores, quantas horas passadas fechados sobre o nosso próprio ressentimento poderíamos evitar se somente perdoássemos? Só o perdão nos pode libertar do poder que o mal tem sobre nós.
É por isso que Jesus perdoa. Perdoa para curar e para libertar. Perdoa até quando está na cruz, e nós nem uma semana depois do facto conseguimos perdoar, mesmo quando compreendemos o que aconteceu. Temos de crescer em perdão. É este o caminho para vivermos a alegria da graça e a liberdade do Espírito.
Há quatro passos concretos que nos ajudam a crescer em perdão:
- Recordar os próprios pecados: tal ajuda-nos a ser mais misericordiosos no juízo, a não olhar os outros a partir do ideal de perfeição própria;
- Confessar-se: nada mais sanador do que recordar o meu desamor, em relação a mim mesmo, aos irmãos e à Criação e, em seguida, receber a graça da misericórdia divina através de outrem que, em nome da comunidade, em nome da Igreja, me dirá: os teus pecados estão perdoados;
- Perdoar rapidamente: não dar tempo ao ressentimento. Por vezes, a pessoa que nos ofendeu nem se apercebeu e nós ficamos amargurados durante meses. Sempre que possível, há que perdoar rapidamente, pois o ressentimento envenena o nosso coração e espalha-se para outras dimensões da nossa vida;
- Encontrar um gesto concreto que expresse o perdão: com criatividade, há que transformar o perdão num gesto. Não basta perdoar em silêncio nem somente de boca. Mesmo que o outro não saiba que nos fez mal, se não é grave e compreendo o que aconteceu e, por isso, nem é necessária uma conversa, fará bem ao meu espírito concretizar este perdão com um gesto, seja uma simples mensagem ou um passeio. Desta forma, restabelecemos e damos novo fôlego à relação.
Vivemos um tempo em que tudo é permitido, mas nada é perdoado. Precisamos de testemunhas de reconciliação, de construtores de pontes. E quem melhor para o fazer do que os discípulos de Jesus? O Senhor conta connosco na construção do seu Reino de justiça e de paz. Nesta Quaresma, tornemo-nos artesãos do perdão, para que a Páscoa vá bem mais fundo.
Nelson Faria, sj
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