Domingo I da Quaresma – Ano B
O Evangelho do primeiro domingo da Quaresma é-nos bastante familiar: as tentações de Jesus no deserto. A versão que hoje escutamos é bastante mais breve e simples que as de São Mateus e São Lucas, pois São Marcos é bastante parco em detalhes. Diz-nos apenas que Jesus foi até ao deserto, onde viveu entre feras, era tentado por Satanás e os anjos serviam-no.
Há algo curioso nos relatos das tentações que tendemos a ignorar: todos eles, sem exceção, fazem referência ao papel do Espírito, aquele que guiou Jesus ao deserto. Quando rezamos as tentações, tendemos a «separá-las» do restante corpo do Evangelho, como se existisse aqui uma resignação à inescapável necessidade de atravessar os desertos da nossa vida ou, por outro lado, como se Jesus entrasse no deserto como um herói, que vai enfrentar Satanás no meio da aridez. Contudo, não é preciso ir ao deserto para enfrentar Satanás, nem parece muito evangélico este baixar de braços diante da inevitabilidade do deserto, da provação.
O episódio que antecede as tentações no deserto – nos três Evangelhos que as relatam – é o batismo de Jesus. Nele, o Espírito Santo desce sobre Jesus a pique, como uma pomba, e então ouve-se uma voz que rasga os céus e diz: «Tu és o meu filho muito amado, fonte de toda a minha alegria».
Que Jesus vai até ao deserto? Não um Jesus resignado à aridez da existência humana e à inevitabilidade do deserto, nem um Jesus que entra como herói nas batalhas difíceis. É o Filho, consciente e confiante no amor do Pai, que vai até ao deserto, guiado pelo Espírito. Quase que conseguimos tocar, neste relato, o cumprimento da profecia de Oseias, no seu capítulo 2: «Hei de conduzir Israel ao deserto e falar-lhe ao coração».
Nestes primeiros dias da travessia do grande deserto da Quaresma, dispensemos as atitudes de resignação ou heroicas. Entremos na Quaresma como filhos muito amados do Pai, fonte da sua alegria, cheios da sua graça, e deixemo-nos guiar pelo Espírito.
O deserto tem a sua prova, mas o lugar da prova é qualquer um dos da nossa vida. Se há algo que carateriza o deserto, como escutamos em Oseias, é o encontro com Deus. Deixemo-nos guiar até ao coração do deserto da Quaresma, para que aí Deus se possa encontrar com o nosso coração.
Gen 9, 8-15 / Slm 24 (25), 4bc-5ab.6-7bc.8-9 / 1 Pe 3, 18-22 / Mc 1, 12-15