ENTÃO Almitra falou dizendo:
— Queria agora interrogar-te
sobre a Morte.
E ele continuou:
— Gostaríeis de conhecer o segredo da morte!
Mas como o encontrareis,
a não ser que o busqueis
no coração da vida?
O mocho
cujos olhos sitiados pela noite
são cegos para o dia,
não pode descobrir
o mistério da luz.
Se verdadeiramente quereis contemplar
o espírito da morte,
abri de par em par o vosso coração
ao corpo da vida.
Porque a vida e a morte
são uma só coisa,
como são uma só coisa
o rio e o mar.
No fundo das vossas esperanças
e desejos
reside o vosso tácito conhecimento
do além.
E como as sementes
que sonham debaixo da neve
o vosso coração
sonha com a primavera.
Confiai nos sonhos,
porque neles se oculta
a porta da eternidade.
O vosso medo à morte
não é mais que o arrepio do pastor
diante do rei
que vai colocar a mão sobre ele
para lhe conferir uma honra.
Não está satisfeito o pastor,
apesar do seu medo,
porque vai poder exibir
a insígnia real?
Contudo,
não é o temor que mais o aflige?
Que é morrer
senão erguer-se nu ao vento
e fundir-se com o sol?
Que é deixar de respirar
senão libertar o sopro
das incessantes marés
para poder elevar-se e expandir-se
e buscar a Deus sem barreiras?
Só quando beberdes
do rio do silêncio,
cantareis realmente.
E quando tiverdes chegado
ao cimo da montanha,
começareis a escalada.
E quando a terra
reclamar os vossos membros
então dançareis verdadeiramente.
Excerto retirado do livro de Khalil Gibran, O Profeta, Editorial AO 2016