O verão passou e o novo ano escolar e pastoral está em curso. Um mergulho na vida quotidiana comum nos é pedido. Importa recomeçar com ânimo novo. Como se fosse a primeira vez, desterrando a rotina que nos torna máquinas que repetem desalmadamente a mesmidade cansada e banal. É que as máquinas não têm mesmo alma nem coração.
Desafiando a tentação da banalização da vida quotidiana, quero propor, a vós e a mim, o heroísmo de trazer por casa. Não se trata de um heroísmo reservado a atletas olímpicos da virtude, nem a almas de eleição que nos parecem ser canonizáveis em vida. Falo para pessoas comuns como eu que, apesar das minhas limitações e fraquezas, experimento que Deus me pede qualidade de vida, pondo amor nos gestos, palavras e ações do dia a dia.
A miragem da virtude espetáculo faz-nos adiar, indefinidamente, a simplicidade amorosa do dever cumprido com alegria, dos gestos discretos de serviço, das delicadezas cordiais. A verdadeira grandeza está nas pequenas coisas, como a beleza está nos pormenores harmoniosos, e não no bloco, tão imponente quanto tosco, de mármore. É um beco sem saída ficar aguardando ocasiões de heroísmos de luxo: salvar um náufrago no mar, arrancar de uma casa em chamas uma criança ou um velhinho… se possível com jornalistas presentes para divulgarem aos quatro ventos tal acontecimento heroico.
A vida real cada dia proporciona-nos atos heroicos de trazer por casa, purificados de vaidades espetaculares, como por exemplo: oferecer uma palavra de consolação e esperança a alguém que está triste e desanimado; ajudar um idoso ou invisual a atravessar uma rua; ouvir uma pessoa que quer desabafar connosco; colaborar nas tarefas do arranjo da casa, sem ficar à espera de que tudo apareça feito e servido a mim, excelentíssimo senhor…
O heroísmo da qualidade de vida dos seguidores de Cristo chama-se santidade. Santidade que não é uma espécie de luxo para pessoas excecionalmente virtuosas, mas a vocação de todo o cristão, como nos recorda o Papa Francisco na sua exortação apostólica Alegrai-vos e exultai: «Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais» (n. 14).
Rabindranath Tagore, um grande poeta indiano, assim se expressa: «Tinha adormecido e sonhava que a vida era só alegria. Acordei e vi que a vida era servir. E, servindo os outros, aprendi que servir era a alegria». Precisamos de acordar dos sonhos de grandeza, utópica e irreal, e investir em gestos simples de fraternidade concreta. Este é o heroísmo a que todos somos chamados. Em cerca de 90% da sua vida, o próprio Deus omnipotente, encarnado em Jesus de Nazaré, fez o milagre de não fazer milagres, assumindo a nossa vida comum por inteiro, sem montar uma carpintaria computorizada nem eletrificar a sua casa. Assim foi salvador da humanidade, modelo máximo do heroísmo de trazer por casa.
Não seria perfeita insensatez que um pintor investisse mais no esplendor e riqueza da moldura do que na beleza do seu quadro? É que o quadro da nossa vida, que nos cabe aperfeiçoar cada dia, vale pela beleza dos nossos gestos de amor e não pela espetacularidade da moldura vistosa. Como recorda Santa Teresa de Jesus: «Deus não olha tanto à grandeza das nossas obras quanto ao amor com que as realizamos». Porque não investir, cada dia, em gestos simples e amorosos, de heroísmo de trazer por casa?
Manuel Morujão, sj