O cristão nunca é plenamente um cidadão deste mundo, mas sim um “peregrino” separado das preocupações temporais que dão primazia à fruição da vida, aos bens materiais e ao status. A orientação básica de um cristão é desejar a verdadeira pátria que é a Cidade de Deus. Esta consciência peregrina, este anseio celestial deveria refrear parte da autoidolatria e do materialismo que caracterizam a nossa sociedade.
Vejamos o que disse Santo Agostinho sobre esta disponibilidade interior para Deus em contraponto com os papéis mais “externos” desempenhados em sociedade.
Embora reconhecendo as injustiças sociais, Santo Agostinho não esperava uma reforma radical das estruturas sociais e era cético em relação à mudança social. Apesar das suas baixas expectativas, deixou claro que, quando os ideais não são totalmente concretizados e o desespero se instala, apenas uma atitude humilde liberta. Ou seja, a humildade de Cristo aponta para o realismo e para longe de um idealismo que tão facilmente se transforma em desespero e em derrotismo. Abre o caminho para uma regeneração moral e espiritual. A humildade atravessa as diferenças de classe unindo as pessoas na sua humanidade comum, derrubando os padrões convencionais de relacionamento humano.
Santo Agostinho disse: “o que se pede não é apenas a gentileza de prestar assistência, mas também a humildade de dar uma mão amiga. (…) Quando a mão daquele que tem toca na mão daquele que precisa, o espírito da pessoa que dá experiencia uma espécie de compaixão com a humanidade e a enfermidade. Embora um dê e o outro receba, aquele que é atendido e aquele que presta auxílio estão unidos numa relação real. Não é a calamidade que realmente os une, mas sim a humanidade” (Sermão 250.5).
A humildade exige uma abertura aos outros, uma universalidade cristã e um igualitarismo que vêm de uma preocupação genuína com o destino de cada pessoa. Os cristãos devem estar atentos à verdade, porque ela aparece onde menos se espera. Pode estar, por exemplo, presente no diálogo com aqueles que não compartilham as nossas convicções, algo que é enriquecedor e fortalecedor para a compreensão da nossa fé.
Assim, a humildade leva-nos a reconhecer a nossa apreensão parcial da verdade e a nossa necessidade de uma compreensão mais profunda. Ainda assim, a humildade está sempre relacionada com a confiança na solidez da verdade.
A confiança e a humildade andam de mãos dadas. Cada pessoa deve ter confiança na verdade das próprias afirmações e humildade quanto ao entendimento dessas mesmas afirmações. Uma pessoa comunica com outras pessoas tanto com a convicção de que a sua mensagem é de genuína importância para elas, como com o reconhecimento de que, através desse diálogo, aprenderá com elas e aprofundará ainda mais a sua própria compreensão.
O pluralismo é uma oportunidade para aprofundar a nossa conversão. Cada ser humano é de alguma forma parte integrante do nosso propósito e do nosso destino. Sejamos cristãos peregrinos, cristãos abertos ao outro para compreendermos melhor a nossa fé.
Betânia Ribeiro