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Tempo Pascal

É natural que, comparando-se com a vivência do tempo da Quaresma, o Tempo Pascal surja como um período difuso, pautado pela liturgia pascal dos Domingos, pelo sinal do Círio aceso nas celebrações e pelas solenidades da Ascensão e do Pentecostes, já no seu final. Pelo meio ficam as tradicionais devoções marianas do mês de maio, além das festas da catequese. Já a Quaresma nos acompanha diariamente, ou quase, com o convite ao jejum semanal, os pedidos de renúncia e partilha, a oração alimentada pelas tradicionais vias-sacras ou por modernas campanhas digitais, as celebrações da reconciliação, etc.

É fácil identificarmos e vivermos as práticas que dependem do nosso esforço e da nossa devoção: bem mais difícil é a vivência sensível do agir pascal de Deus na nossa história.

Há uma razão histórica para a perda de uma vivência mais aprofundada do Tempo Pascal: a sua origem, nos primeiros séculos da Igreja, une-se ao do batismo dos adultos (que era a regra, sendo exceção o batismo de crianças), que tinha lugar na Vigília Pascal. Variando as práticas de Igreja para Igreja, a primeira semana – ou Oitava de Páscoa – era particularmente dedicada aos recém-batizados, que conservavam a sua veste branca – daí o nome do II Domingo como Domingo in Albis, «em branco» no latim original. Esta semana era caracterizada por celebrações diárias, com catequeses especialmente dirigidas aos chamados neófitos; e todo o Tempo Pascal era permeado por rituais e catequeses centradas nos sacramentos de iniciação – o batismo, a eucaristia e o crisma ou unção. É num destes sermões destinados aos recém-batizados que encontramos estas belas palavras do bispo de Hipona, Agostinho:

«A vós me dirijo, crianças recém-nascidas, pequeninos em Cristo, nova prole da Igreja, beleza do Pai, fecundidade da Mãe, rebento santo, multidão renovada, flor da nossa honra e fruto do nosso trabalho, minha alegria e coroa, a todos vós que permaneceis firmes no Senhor» (Sermão VIII na Oitava de Páscoa).

Claro que os sinais e a presença dos recém-batizados constituíam, por si mesmos, um convite a todos os fiéis para fazerem memória do seu próprio batismo – de que muitos tinham presente na sua história adulta, quer a celebração em si, quer a preparação e o aprofundamento. Anualmente eram recordadas a todos, por palavras e por sinais, a beleza e a riqueza do sacramento do batismo, tal como hoje, por exemplo, qualquer celebração do matrimónio constitui uma fecunda oportunidade de memória e de atualização para os casais que nela participam.

Perdida a história e perdidas as práticas, restam-nos, hoje, os significados do sacramento do batismo, tão vitais quanto velados: a necessidade de mergulhar na nossa história, com as suas feridas e o seu pecado, e dela renascer para uma vida nova; o sentido de pertença a uma História de Salvação, como aliança de amor de Deus pela Humanidade; o encontro com Jesus, o Homem Novo, que, na sua Páscoa, alimenta com uma vida nova e um sangue novo os nossos dias, com todas as suas mortes; a experiência de um perdão, numa comunidade eclesial cuja regra é o mandamento novo. E tanto mais!

Se este Tempo Pascal for uma oportunidade para um renascimento diário, quotidiano, de todos os medos, seguranças e rotinas que encerram o nosso viver, então o círculo poderá abrir-se e a festa brotar, nos caminhos da novidade e do louvor que a esperança em nós abre, como rios de água vida.

 

Texto: Rui Pedro Vasconcelos

Imagem: Cúpula do Batistério de São João, em Florença (século XVIII), representando a História da Salvação (foto de Fabio Casadei).

 

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