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Cangalheiros ou Ressuscitadores?

O título é duro e cru. É uma provocação que faço em primeiro lugar a mim mesmo. É que as minhas palavras e atitudes nunca são neutras, incolores e insignificantes. Levantam ou rebaixam, entusiasmam ou desanimam, constroem ou deitam abaixo, alegram ou fazem corar e chorar.

No que somos, dizemos e fazemos, como limite, oferecemos o inferno ou o céu, ferimos e matamos ou comunicamos vida mesmo que seja a um morto. Em cada palavra e ação escolhemos a nossa profissão: ser cangalheiros ou ser ressuscitadores.

Aproveitando o tempo litúrgico pascal que celebramos, importa ressuscitar a coragem e a alegria, ultrapassando desânimos e frustrações. O credo cristão não é um ato de fé nas tristezas da vida e na fatalidade da morte. Fazemos fé na ressurreição de Cristo e na alegria de O seguir. Não podemos estacionar na sexta-feira (não) santa, nem tomar como morada da nossa fé o túmulo vazio de Cristo. É cristãmente obrigatório prosseguir a caminhada para a Páscoa da Ressurreição. O nosso hino não é um cântico de exéquias fúnebres, mas o aleluia que transborda vida abundante e júbilo.

Dá-me devoção recordar uma simples história, passada nos tempos em que, na sequência da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, se estava nos começos da Missa celebrada em português. Era um jovem jesuíta, que estudava na Faculdade de Filosofia, em Braga. Fui um dia à Missa a uma igreja da cidade. Na aclamação a seguir à consagração, assim ouvi uma senhora idosa, com voz convicta e timbrada: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte; reclamamos a vossa Ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”. É uma devotíssima reclamação, pois, como afirma S. Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé e permaneceis ainda nos vossos pecados… e somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Cor 15, 17-19).

Com pertinência nos exorta o Papa Francisco em A Alegria do Evangelho, no seu programa de pontificado: “Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias” (n. 6).

Nos textos e intervenções do Santo Padre Francisco aparecem múltiplas vezes apelos à alegria, ao otimismo e à esperança, virtudes próprias de quem acredita na vitória da ressurreição de Cristo. Na Exortação Apostólica Alegrai-vos e exultai, sobre a santidade no mundo atual, assim afirma: ser santo “não implica um espírito retraído, tristonho, amargo, melancólico ou um perfil sumido, sem energia. O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança” (n. 122). Aliás, S. Francisco de Sales afirma com bom humor: “Um santo triste é um triste santo”.

Importa pôr um denominador comum de alegria às diversas frações da nossa vida: trabalho e descanso, relações familiares e laborais, e até à oração, pois “Deus é alegria”, como no-lo recorda o Papa do Concílio Vaticano II, S. Paulo VI. Assim, saberemos vencer o demónio da tristeza e do pessimismo, que tenta envenenar o nosso coração e fazer de nós uns derrotados profissionais. Como alguém anotou: Não digas a Deus que tens um grande problema. Diz ao problema que tens um grande Deus!

Ressuscitar a alegria de todos os vestígios de morte. Eis um empolgante programa de vida. A renovar cada dia.

 

Manuel Morujão, sj

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