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Sumo construtor de pontes

Quanto mais as margens estão separadas, maior tem que ser a ponte para as unir. Maior também precisa de ser a coragem e a arte para construir tal ponte.

As observações que vou fazer não pertencem ao campo da engenharia civil, mas sim à arquitetura humana, inspirada pela fé. Certamente que homens e mulheres não se medem aos palmos, como nos lembra o ditado popular. Somos grandes na medida em que conseguimos unir margens distantes; aproximar pessoas e grupos diferentes na sua história e cultura, na diversidade de credos e estilos de vida.

Construir pontes de acolhimento e compreensão, de diálogo e encontro é uma tarefa de todo o ser humano. A lei da selva vai em sentido oposto: para uma fera ser grande precisa de vencer, de aniquilar a concorrência. A família é a escola primordial da arquitetura de pontes de fraternidade. Mais velhos e mais novos, mulheres e homens, de feitios e aptidões diferentes, vamos aprendendo a conviver amistosamente, completando-nos na aceitação da diversidade. É o puzzle da fraternidade, em que todos somos precisos e importantes.

O Papa da Igreja Católica costuma apelidar-se de “Sumo Pontífice”. Poderá parecer um título solene e pomposo. Mas não: descreve uma missão de serviço. A palavra “pontífice”, indo à sua raiz latina, significa construtor de pontes. Neste caso significa construir pontes entre Deus e a humanidade, entre os fiéis da Igreja de Cristo e com todas as pessoas de boa vontade. Todos temos a missão de sermos “pontífices”, construtores de pontes de encontro e fraternidade, evitando divisionismos, afastamentos, separações. Aliás Cristo, no seu discurso da última ceia, como testamento pediu aos seus seguidores: “Que todos sejam um”. E o Papa é quem tem a máxima responsabilidade de uma Igreja apostada em construir pontes de unidade. É o Sumo Pontífice.

O Papa Francisco tem sentido a urgência desta missão de construir pontes especialmente com as margens mais distantes: com as “periferias geográficas e existenciais”, com os que não vivem segundo as normas da Igreja Católica, com os crentes de outras religiões, com o mundo dos agnósticos e ateus, sublinhando que ninguém deve ser excluído da solicitude pastoral da Igreja, que o cristão deve ter coração e braços abertos para acolher a todos.

Esta atitude fundamental tem-se verificado nos critérios com que organiza a agenda das suas viagens apostólicas, dando prioridade a países em que os católicos são uma minoria, onde não pode esperar banhos de multidão e vai encontrar “margens” distantes. Por isso, mais importante é construir “pontes”. Vou agora apenas referir-me à sua última visita que foi aos Emirados Árabes Unidos, de 3 a 5 de fevereiro.

O Papa Francisco sublinhou que esta viagem pertence às “surpresas de Deus”, imprevistos que têm o dedo divino. Oito séculos antes, em 1219, outro gesto percursor deste: Francisco de Assis ousou ir ao Egito encontrar-se com o Sultão Malik al-Kamil, em conversações de paz e bem. Como referiu o Santo Padre, escreveu-se uma original e importante “nova página na história do diálogo entre o cristianismo e o islamismo”. Contrariando a escalada de fundamentalismos e terrorismos, o Papa corajosamente visitou quem poderia ser considerado estranho, senão inimigo. Assim, afirmou: “Numa época em que a tentação de ver um choque entre civilizações cristãs e islâmicas é forte, queríamos dar um sinal mais claro e decisivo que, em vez disso, é possível encontrar, é possível respeitar e dialogar”. O beijo entre o Papa e o Grande Imã de Al-Azhar al-Sharif é muito mais que uma cortesia. É uma audaz profecia de que é perfeitamente possível viver como irmãos na diferença de tradições culturais e religiosas e de que os desentendimentos e confrontos violentos devem ser sepultados no passado. É dado um passo de gigante com o documento assinado por ambos sobre “a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum”.

Deste documento, rico de humanidade e de graça divina, cito apenas esta breve passagem: “Em nome de Deus e de tudo isto, Al-Azhar al-Sharif – com os muçulmanos do Oriente e do Ocidente – juntamente com a Igreja Católica – com os católicos do Oriente e do Ocidente – declaramos adotar a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério. Nós – crentes em Deus, no encontro final com Ele e no seu Julgamento –, a partir da nossa responsabilidade religiosa e moral e através deste Documento, rogamos a nós mesmos e aos líderes do mundo inteiro, aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se comprometerem seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da paz; para intervirem, o mais breve possível, a fim de se impedir o derramamento de sangue inocente e acabar com as guerras, os conflitos, a degradação ambiental e o declínio cultural e moral que o mundo vive atualmente”.

Celebramos este exemplo magnífico de ponte construída entre margens tão distantes. Mesmo que o abismo da desconfiança e das feridas históricas seja grande, é sempre possível construir uma ponte de aproximação e diálogo. O gesto do Sumo Pontífice Francisco reclama que o imitemos na nossa família, comunidade e grupo de trabalho e convivência.

 

Manuel Morujão, sj

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