A corrupção tem as cores da noite. Habita em subterrâneos, mesmo que aparente morar em palácios que brilham ao sol. Deixou de ter rosto para só usar máscaras, a pôr segundo as conveniências. Seu cérebro evaporou-se para nele colocar a maquinaria de esquemas alternativos. Arrancou o seu coração de carne para o substituir por um poderoso íman que atrai todos os fracos e influenciáveis que multipliquem seus insaciáveis lucros.
A corrupção é um vírus que contamina a virtude pública, e que atinge transversalmente todas as classes e profissões. Ninguém está imune e todos precisamos de estar alerta. Felizmente, não é um mal sem remédio. É sempre oportuno recordarmos modelos de vencedores da batalha da anticorrupção. Pessoas de carne e sangue como nós, não heróis angélicos, mas gente frágil que teve a sabedoria da fé, que se agarrou à rocha firme da omnipotência de Deus. Nesta imensa galeria, brilham os mártires de todos os tempos: os apóstolos de Cristo e uma plêiade de virgens, incontável gente simples mas também reis e ministros, como S. Tomás Moro, Chanceler do Reino de Inglaterra.
A corrupção não foi inventada nos tempos modernos. Existiu desde sempre, tal como a virtude que se lhe opõe sem cedências. Baste ir às origens do género humano, descritas nas primeiras páginas da Bíblia. Adão e Eva deixaram-se corromper por uma enganosa promessa: desobedecei a Deus e sereis como Ele Um deus de substituição, soberbo e ganancioso.
A Transparency International (TI), com dados do Barómetro Global da Corrupção (BGC), tendo entrevistado cerca de 162 mil cidadãos de 119 países, entre 2014 e 2017, conclui que 1 em cada 4 cidadãos teve de pagar um suborno por ano para aceder a serviços públicos. E vem indicada a classe que mais pratica a corrupção: os próprios eleitos pelo povo que estão em cargos de poder.
O Compêndio da Doutrina Social da Igreja assim afirma: “Entre as deformações do sistema democrático, a corrupção política é uma das mais graves, porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da justiça social; compromete o correto funcionamento do Estado, influindo negativamente na relação entre governantes e governados; introduzindo uma crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes, com o consequente enfraquecimento das instituições” (n. 411).
Entre as múltiplas exortações da Palavra de Deus, cito esta passagem da segunda carta de S. Pedro que assim descreve os corruptos: “São homens imundos e corrompidos, que sentem prazer em enganar, enquanto se banqueteiam convosco. Os seus olhos estão cheios de adultério e não se fartam de pecar. Seduzem as almas débeis; o seu coração está acostumado à cobiça” (2, 13-14).
Importa trabalhar na conversão do nosso coração para passarmos de “DDT: Dono Disto Tudo” a “SDT: Servidor Destes Todos“. Cristo, sendo Mestre e Senhor, clarificou que “estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27); e “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos” (Mc 10, 45).
Abdul Kalam, presidente da Índia de 2002 a 2007, assim afirmou: “Para que um país se torne livre de corrupção e seja uma nação de belas mentes, acredito que existem três membros-chave da sociedade que podem fazer a diferença. O pai, a mãe e o professor”.
O nosso Papa Francisco tem sido um profeta destemido na luta contra a corrupção. Apenas uma breve citação: o mundo de hoje necessita de “homens e mulheres que, cheios de esperança e firmes na fé, dêem testemunho de que o amor, manifestado na solidariedade e na partilha, é mais forte e luminoso que as trevas do egoísmo e da corrupção” (2017.11.10).
É fácil situar-nos de fora e apontarmos o dedo acusador aos grandes corruptos, que aparecem nas vitrinas da comunicação social. A cada um de nós, a mim e a ti, cabe a pacífica luta por uma vida bela, honestamente altruísta.
Manuel Morujão, sj