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A loucura do amor de Deus – E Deus fez-Se vulnerável

“Tendo Jesus chegado a casa, de novo a multidão acorreu, de tal maneira que nem podiam comer. E quando os seus familiares ouviram isto, saíram a ter mão n’Ele, pois diziam: ‘Está fora de Si!'” (Mc 3, 20-21).

Nestes poucos versículos vemos como os familiares de Jesus chegaram a pensar que Ele estivesse fora de Si, que tivesse enlouquecido. Ele está completamente envolvido pela sua missão e esquece-Se até mesmo de comer! «Está louco», pensam.

É impelido pelo Amor e o Amor não pode ser travado, leva-nos sempre para a frente, derruba as fronteiras do bom senso e destrói os limites do razoável. As escolhas do Amor são sempre marcadas por um pouco de loucura. Não, o Amor não é cego! Quem ama simplesmente não se deixa ficar pelos limites autoimpostos dos riscos calculados.

Diante da omnipotência de Deus podemos ficar bloqueados. Pensamos n’Ele como um ser perfeito e distante, um ser total e imutável, que do alto da sua torre de cristal contempla e avalia a nossa progressão sobre esta terra. Como consequência, consideramos que a presença do mal no mundo é alguma coisa que Ele, mais ou menos tranquilamente, aceita e permite. Certo, quer que nos salvemos, mas no fundo reconhecemos que Ele é responsável pelo mal porque, mesmo que não seja culpa d’Ele, se quisesse mesmo poderia terminar com todo o sofrimento.

Diz São Paulo na carta ao Filipenses: “Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo… rebaixou-Se a Si mesmo, tornando-Se obediente até à morte e morte de cruz”. Na sua omnipotência, Deus esvazia-Se a Si mesmo e renuncia a todo o poder. Ainda mais: renuncia à vontade do poder que escraviza. Jesus insiste que está entre nós como alguém que serve; esta é a maravilha: a Verdade incarna e liberta-nos esvaziando-Se.

Pavel Evdokimov, um teólogo Russo, professor em Paris e observador convidado no Concílio Vaticano II, em linha com a antiga Tradição da Igreja, dizia que o esvaziamento do Senhor de Si mesmo é a manifestação do “Manikòs Éros”, do “Amor louco” de Deus por nós. Deus é “louco” por amor! É de São Máximo, o Confessor (século VI) e Nicolau Cabásilas, um teólogo do século XIII, que refletiam sobre o Amor louco de Deus pelo Homem, que Evdokimov tira esta expressão da manifestação máxima da omnipotência de Deus: o seu Amor louco por cada um de nós que O leva a esvaziar-Se até à morte e morte de cruz.

Por Amor, Deus torna-Se infinitamente vulnerável: para nos libertar, para que fôssemos verdadeiramente livres, Ele não poderia impor-Se porque o Amor não se impõe pela força. Diante do sofrimento absurdo que a vida às vezes nos traz, diante de uma morte sem sentido ou de uma doença cruel de uma criança inocente é a fragilidade vulnerável e invencível de Deus, esta noção absolutamente paradoxal da omnipotência de Deus que devemos ter presente. O amor torna-nos vulneráveis e Deus, porque é Amor infinito, é infinitamente vulnerável: não pode fazer outra coisa que não seja sofrer connosco.

O deus impassível e severo de alguns teólogos revela-se em Jesus Cristo como um Pai misericordioso. Ele come com os pecadores e compadece-Se das nossas misérias: não é um deus imóvel, impassível, inacessível, perfeito na sua incapacidade de sofrer. Deus fez-Se vulnerável renunciando, livremente e por amor, à sua omnipotência formal. Ele compadece-Se de nós; incarnando manifesta que o Amor veio habitar entre nós e o Amor é sempre vulnerável, não o pode não ser se é amor.

É na manhã do Domingo de Páscoa que se manifesta, resplandecente, a vulnerabilidade frágil e definitivamente vencedora do invencível Amor de Deus.

 

Texto: Marco Cunha, sj

Foto: Lava-pés (pormenor), Capela Redmptoris Mater, Vaticano. (Marko Rupnik, sj)

 

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