Doenças são sempre doenças. Incómodas e irreverentes, despropositadas e mortificantes. Um mergulho no mar do sofrimento humano, que nos toca directamente quando ficamos doentes, ou indirectamente quando participamos no sofrimento de alguém, por proximidade, parentesco ou afinidade.
Mas uma epidemia é uma doença avassaladora, que rapidamente conquista pessoas em série, sem se conseguir encontrar um freio que trave tal gigante. O termo «epidemia», já usado por Hipócrates, no século IV antes de Cristo, indica um mal que cai sobre o povo e que vai conquistando novos sacrificados. Qual espada de Dâmocles, fica a pairar sobre as nossas cabeças a angustiante dúvida: será que eu, ou pessoas que me são próximas, seremos também atingidos?
Felizmente esta moeda epidémica, de venenoso metal, tem uma face de oiro precioso. Epidemias, como é o caso de Ébola e Legionella, têm criado uma onda de solidariedade sem fronteiras, em que todos nos sentimos implicados: o mal do próximo (talvez distante a milhares de quilómetros) é o meu mal; a sua cura também me restabelece a mim. Os outros fazem parte de mim e só me posso sentir bem colaborando no seu bem. Experimentamos que vamos todos no mesmo barco. Para chegarmos ao porto certo da desejada cura precisamos de ser solidários. Enfermeiros e médicos, cooperantes e voluntários passam a ser os nossos heróis, que admiramos e aplaudimos.
Aqui podemos recordar a sabedoria popular, que assim se expressa: «não há males que não venham por bem»; «Deus escreve direito por linhas tortas». Ébola e Legionella, males a combater, e tudo o que de negativo aparece no horizonte das nossas vidas, também são mestres que nos dão lições. Com razão desejamos mestres mais simpáticos e animadores, mas importa ser ousadamente realistas fazendo parte da solução e não dos problemas. Sobram os problematizadores, que complicam o que pode ser simples. Necessitamos de solucionadores, mesmo quando se pode fazer muito pouco.
À margem destas grandes causas de ajuda humanitária, surgem fenómenos espúrios que desdizem da grandeza da alma humana, que devia espelhar o desmedido amor com que fomos modelados pelo Criador. No caso destas epidemias, cito dois que desdizem do nosso estatuto humano: os que se interessam mais por fazer acusações do que por encontrar soluções; a história do motim violento contra a eliminação de um cão que poderia estar contaminado, a fim de que não contagiasse seus donos ou outras pessoas. Mesmo julgando não ser esta a solução ideal, a violência da contestação pareceu pretender elevar o estatuto canino acima do humano.
«Homens, sede homens!» foi o grito profético do Papa Paulo VI ao visitar Fátima, no cinquentenário das Aparições, a 13 de Maio de 1967. Faço eco a este grito em favor da humanização do ser humano, sobretudo quando alguma epidemia nos sobressalta. Ébola e Legionella desafiam-nos à solidariedade.
Manuel Morujão, sj